HISTÓRIA DE ANGOLA
O PAIS FOI ESTRANGULADO
PELA ESCRAVATURA
E a principal conclusão que e feita depois da leitura da consistente obra “A
manilha e o libambo. A Africa e a escravidão, de 1500 a 1700”, da autoria de
Alberto da Costa e Silva, livro que acaba ser republicado em Rio de Janeiro,
nas edições Nova Fronteira.
A capa deste verdadeiro tijolo de 1071 páginas e
ilustrada, em parte, pelo famoso retrato, de pintura a óleo, do Embaixador do Sonho
(Soyo), na capital do Brasil, em 1643, o Don Miguel de Castro. O retrato foi
realizado, em 1643, pelo artista Jasper Beckx.
De perfil enciclopédico, a publicação aborda, quase todas
as linhas esclavagistas tecidas em Africa, desde a Antiguidade e esticadas nas
terras do Islão, na Idade Media Europeia, na Senegâmbia, na Alta Guine, na
Costa de Ouro, em Cabo Verde, no Mali e no Songai.
O investigador brasileiro examina, em seguida, as
movimentações de cativos na Costa dos Escravos, no Golfe de Benim e no delta do
Níger, no Bornu, no pais Haúça, entre o Lago Chade e o Nilo, nos planaltos da Etiópia,
na costa do Indico, em Madagáscar, na Zambézia, na região dos Grandes Lagos e
na área de Boa Esperança.
O autor reservou, naturalmente, partes, substanciais, das
suas análises, a evolução da economia esclavagista no Reino do Congo e na
Colonia de Angola.
Revela, antes de tudo, o perfil dos potenciais
traficantes portugueses de seres humanos na Baixa Guine, que eram aventureiros,
degredados e foragidos, indivíduos sem escrúpulos.
São eles que vão, gradualmente, mudar as modalidades de
trocas comerciais, introduzindo, ai, a moeda viva, que se transformou,
rapidamente, a mola do comércio entre a região e a península ibérica e o Novo
Mundo.
Os países do Zayre e do Coanza entraram nesta armadilha
económica, numa parceria desastrosa. As consequências desta nova realidade
acabarão para se fazer sentir em todos níveis destas formações sociais.
Adotou-se, no intuito de obter prisioneiros de guerra, o princípio
da preferência ao conflito armado. Assim, desenvolveu-se centenas de batalhas,
fúteis, nas fronteiras, para capturar os vencidos.
Um exemplo desta evolução, suicidária, e de Mvemba a
Nzinga, Don Afonso I, que comandou, em 1513 ou 1514, combates contra Munza, Rei
dos Ambundus, nos Dembos. Deles, o Manicongo trouxe 410 prisioneiros, e os
portugueses que o acompanharam, mais de 190. Do total, selecionaram-se 320, que
embarcaram para Portugal.
A região encheu-se de perigo. Kanda (clãs) desentendiam-se
entre si e pelas armas cativavam os derrotados. Condenavam-se pessoas a
escravidão por pequenos delitos. Vendiam indivíduos que se haviam penhorado por
divida. Garotos eram raptados e embarcados as escondidas.
QIMERA
A situação tornou-se insustentável de tal maneira que o
Congo, o Ndongo, o Cassanje, a Matamba, o Estado dos Imbangalas e o hinterland
de Benguela não tinham solução para estancar as invasoras traficâncias.
Toda a conduta ética foi abalada e instalou-se uma onda
de violência perniciosa e criminosa. O próprio Afonso 1 sofreu um atentado em 1540,
na Catedral de São Salvador.
Os esforços dos ntotelas e ngolas na modernização da
região foram bem dificultados.
Os traficantes de escravos estavam a estimular,
ativamente, a autonomização, das formações sociais da área. O Congo, federal,
estava a perder a sua suserania sobre as terras dos Panzualumbos, de Angoio,
Cacongo, Vungu e Macoco, as chefias sossos e sucus e a sua aliança com a
Matamba e o Ndongo.
Estava a assistir na mudança radical das sagradas regras
de sucessão politica, que eram uma garantia de estabilidade no poder.
Registava-se uma verdadeira hemorragia demográfica, a
zona perdendo os preciosos recursos humanos.
Assim, por exemplo, na terceira década do seculo XVI, sai
do porto de Mpinda entre 2000 e 3000 “mbika”
por ano, na quarta, o número aumentara para entre 4000 e 5000, e, em 1548,
atingia os 6000 ou 8000.
O porto de Luanda não escapava a quase mono- exportação de
escravos. Já se contavam 52 053 madeiras de ébano embarcados entre 1575 e 1591,
sem que na conta estivessem abrangidos a mercadoria que, para baixar a
liquidação de taxas, não se confessava.
Abreu de Brito, que esteve em São Paulo de Loanda, sob a
ordem do Rei, contabilizou, de 1575 a 1587, a partida de 31 922 “mutafunu”, ou seja 2660 em média por
ano; e, entre 1587 e 1591, 20 131, o que da media de 5032. A quantidade
exportada, apos 1587, quase duplicava.
No litoral mais ao norte, a competição comercial estava
inflexível entre franceses, ingleses, flamengos, alemães, hamburgueses, dinamarqueses
e portugueses.
São os holandeses que terão, na zona, o maior
protagonismo com a sua esclavagista West –Indische Compagnie. Assim, tropas
vindos de Recife tomaram Luanda, Benguela e a ilha de São Tome.
Os Batavos mandaram, de 1641 a 1646, a partir do litoral
indo de Cabo Lopez a Benguela, 11 304 cativos. Enviaram para o seu entreposto
antilhano de Curacao, de 1646 a 1648, 2300 acorrentados.
Assinala-se, em todo este processo, a falta de barcos que
causava a morte de, segundo, Alberto da Costa e Silva, numerosíssimos cativos,
durante meses de espera, nas piores condições de alimentação e higiene. A esses
devem somar os que eram embarcados em contrabando.
A situação regional agravou-se na sequência da invasão do
Congo pelos terríveis Jagas, que aproveitaram, igualmente, para comerciar
milhares de “nsumbi”, durante cinco
anos.
Quanto a mercantilista Colonia de Angola, depois da
quimera mineira dos países ambundu, ela descobriu, bem oportunamente, que os
jazigos de prata eram os mundongo e os cassanjes.
E de louvar a reedição de “A manilha e o libambo …”, livro de referência, indiscutível, em
português, que confirma o caracter crucial dos seculos XVI e XVII na
prejudicial articulação de Africa no tráfico triangular no Atlântico.
O historiador carioca atesta que o continente niger não
recebia, naquela época, bens de capital, mas produtos supérfluos e inibidores,
como as inevitáveis, ferozes, bebidas alcoólicas, facto associado a uma
verdadeira guerra interna, com seculos de duração, que perturbou, gravemente, a
evolução demográfica, social, politica, fitoterapêutica e tecnológica as terras
do Osagyefo, explicando, claramente, o atual, dramático, subdesenvolvimento da
Afrikya.
Esta história, dolorosa, deve, paralelamente, servir de
uma inesquecível base de lições para que as nações da União Africana não
constituíram, mais uma vez, de escravarias e que se engajem, firmemente, na via
da “Pinduka”.
Por
Simão SOUINDOULA
Historiador e Perito da UNESCO
Luanda – Angola
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