terça-feira, 9 de junho de 2015

ARTIGO: O ÁLBUM SURVIVAL DE BOB MARLEY E OS FRAGMENTOS DA HISTÓRIA POLÍTICA DA ÁFRICA COLONIAL

Recebi mais uma colaboração para o nosso blog. Gabriel Silva Soares é formado em História na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Neste texto ele faz uma reflexão sobre o engajamento político da música de Bob Marley.  Publico para que possamos ler e debater ideias de Gabriel.

Boa leitura.





O ÁLBUM SURVIVAL DE BOB MARLEY E OS FRAGMENTOS DA HISTÓRIA POLÍTICA DA ÁFRICA COLONIAL

Gabriel Silva de Jesus

Licenciado em História pela UFRB


O álbum Survival do imortal artista Bob Marley foi lançado no ano de 1979, no Studio da lendária gravadora Tuff Gong. Juntamente com sua banda The Wailers, Bob Marley pensou e realizou esse álbum dentro da conjuntura política passada pelo continente africano nessa época. Como é sabido, ao longo de todo o século XX a África vai passar por grandes movimentos de contestação contra o poder e a força colonial, tendo muitos países conseguido conquistar sua independência. Survival foi considerado pela crítica como o álbum mais politizado da carreira de Bob Marley. De fato, com forte mensagem contra o poder do sistema colonial, as músicas presentes no álbum podem ser interpretadas como porta-voz contra os problemas sociais e políticos passados pelo continente na época, por exemplo, África United, single mais conhecido do álbum, pede aos africanos para se juntarem e lutarem contra a dominação europeia. O álbum teve tanto efeito que os líderes da África do Sul no período do Apartheid chegaram a censurá-lo no país. Nessa breve reflexão, procuramos problematizar o álbum Survival dentro dos acontecimentos políticos vividos pelos africanos no decorrer do século XX.
O primeiro single do álbum, Africa United, já traz a mensagem revolucionaria vista ao longo de todo o disco. Nesse sentido, a música faz uma alusão ao uso dos colonos brancos das diversas brigas existindo entre as etnias localizadas nas vastas terras da mãe África. Os brancos imediatamente perceberam que seria mais fácil colonizar no bojo dessa alteridade existente nas etnias negras, passando a financiar com armas, dinheiro, material hospitalar etc, uma etnia que quisesse se submeter ao seu poder. Quanto a isso, existe uma crítica historiográfica acerca do termo colaborador ou aliado. O historiador africano Albert Adu Boahen, observou nitidamente a utilização estratégica do rei dos Gun de Porto Novo, Tofa, na chegada dos franceses em sua terra. Encurralado no momento em que os bretões vieram, visto que esse rei tinha que encarar dois diferentes reinos africanos: no norte os reis Fon do Daomé, no nordeste os Yourubas, além dos britânicos na costa atlântica, a única solução viável para o rei dos Gun estava na aliança com os Franceses, inusitada válvula de escape para ele derrotar seus inimigos. Portanto, segundo Boahen, somente uma escola de historiadores sem conhecimento dos problemas que os vários reinos africanos teriam que enfrentar, bem como aqueles que não conseguem enxergar as iniciativas tomadas pelos próprios africanos na tentativa de realizar atividades voltadas para seus interesses, ou mesmo certos estudiosos que procuraram analisar a história africana dentro da visão eurocêntrica, conseguem conceituar os líderes africanos como colaboradores[1].
Como podemos notar, a crítica de Bob Marley, na música Africa United, estaria no pedido aos africanos para se unirem e lutarem na resistência do poderio colonizador europeu. Então, versos que surgem na canção vão colocando o pedido de Marley de forma mais evidente, como: “[...] Como seria bom e agradável Diante de Deus e do Homem, Ver a unificação de todos os africanos como já tem sido dito, deixe ser feito nós somos as crianças do homem rasta nós somos as crinças do homem elevado”, assim como:“ Então áfrica te une, te une para o bem do nosso povo Te une pois está mais tarde do  que você pensa, Te une para o benefício de suas crianças Te une pois está mais tarde do que você pensa a África espera por seus criadores, a África espera por seus criadores a África você é meu antepassado fundamental Te une para os africanos que estão no mundo, Te une pelos africanos de longe África te une. ” 
Podemos procurar entender formas de defesa por parte dos africanos diante das hostilidades do poder colonizador dentro das diversas associações etnicas existentes no centro urbano. Essas associações nada mais representavam do que uma extensão das etnias do campo presente na vida citadina africana. Assim, organizada no modelo hierárquico: associações de aldeia, de etnia e de clã, um dos seus objetivos basicamente estava presente numa maneira de melhor ajudar os emigrados vindo do campo a se instalarem na vida urbana, fazendo mitigar o reflexo agressivo de um ambiente completamente diferente ao habitat natural desses aventureiros africanos. Desse modo, ao chegar nessas novas fronteiras de concreto e aço, os povos vindo do campo tinham como primeiro contato os membros de sua etnia, do seu clã, ou mesmo de sua antiga aldeia. Estabelecidos em sua associação, esses povos aprendiam como se comportar nas cidades, nos ofícios proletários, nas buscas de empréstimos etc[2].
A questão mais importante dessas aldeias diz respeito ao valor simbólico dos laços de fidelidade a cultura da aldeia de origem, permitindo a manutenção do controle dos integrantes da associação, a língua era um dos elementos fundamentais para a estabilização de uma associação. Paulatinamente, os europeus passariam a desconfiar dessas possíveis organizações conspiratórias dentro dessas associações. No entanto, não encontrando indícios de possíveis revoltas, o aparelho administrativo colonial passou a utilizar as associações a favor de sua dominação, consultando elas através de inúmeras questões, como educação, impostos e um desenvolvimento comunitário. Exemplos das formações de associações estão espalhados por toda a África. No Quenia, devido ao tamanho intenso e agressivo da colonização enrijecido pelo sistema colonial britânico, o único estabelecimento de proteção cultural e lamento da dor das perdas estariam na formação de associações, de modo que nesse país podemos encontrar associações étnicas mais solidamente estabelecidas existindo um contingente populacional absurdamente maior, comparado aos países limítrofes, no caso de Uganda e da Tanzânia. Outros modelos de organizações culturais estariam sendo realizados pelo viés da religião, ao invés da etnia. Isso se poderia encontrar no caso da África mulçumana, particularmente no ano de 1935, com a fundação na Argélia da Associação dos ‘Ulama’, cuja realização tendeu a proteger a prática do islã dentro da situação colonial.   Por fim, grosso modo, as associações serviriam como disse Bob Marley de uma África unida, pois foi nesse tipo de estabelecimento que os africanos conseguiram uma autoproteção, bem como autoestabilização[3].
A música que traz o nome do álbum, Survival, consegue trazer explicações para o desmantelamento de toda a cojuntura administrativa realizada pelos povos africanos antes da invasão dos europeus[4]. Com efeito, trechos como “o bom homem nunca é honrado em seu país, a sobrevivência negra nada muda tudo estranho, nada muda, tudo estranho, nós temos que sobreviver nós temos que sobreviver, mas viva como um semelhante nos olhos de todo o poderoso”, dão evidências desse novo mundo estranho imposto aos africanos durante a conquista realizada pelos europeus.
Numa tentativa de poder estabelecer sua dominação eficazmente, o poder colonial destruiu valores ancestrais dos africanos, como a língua, possibilitando um mundo estranho aos africanos dentro de suas próprias terras. Dois modelos de atuação movidos na busca da centralização de uma política de assimilação variando nos assuntos como língua, cultura e educação, se destacaram: o primeiro modelo era francês, onde houve a centralização dos africanos dentro do sistema de educação universal. No segundo caso, estaria o pragmatismo inglês, fornecendo a língua inglesa logo no início do ensino elementar, mas não sem antes utilizar as várias línguas dos aborígenes africanos ao seu próprio favor, uma vez que no primeiro momento os ingleses colocariam em prática no sistema educacional de suas colônias as línguas nativas, uma maneira de poder posteriormente inserir a língua inglesa[5]
Como se vê, as tradicionais línguas africanas foram postas para fora dos interesses coloniais do ocidente. Dotadas de valores, tradições, vibrações, símbolos de heranças ancestrais, orgulho das variadas etnias africanas, as línguas nativas foram barbaramente arrancadas para serem implantadas em seu lugar as línguas padronizadas e canonizadas do mundo ocidental, a exemplo do francês, português e inglês. Essas últimas línguas foram institucionalizadas nas administrações públicas, na educação superior e nos grandes negócios internacionais. Na verdade, ainda é possível encontrar as línguas autóctones no cotidiano e nos negócios das feiras nas povoações continentais. Mesmo assim, com a introdução das línguas internacionais perdeu-se as raízes de culturas que pulsaram dentro dos valores materiais e dos antepassados, verdadeiros portadores de saberes praticamente conservado intactamente, heranças imateriais corroídas pela ganância, vislumbre e capricho dos brancos europeus[6].
De qualquer forma, as línguas nativas devem ser passadas somente como via do conhecimento, sendo línguas de aprendizado nos diversos níveis de ensino, igualmente possibilitando aos jovens africanos a sabedoria de centenas de anos exercida pelos povos africanos, mas também a língua simplesmente deve ser cultuada e transmitida para as futuras gerações como uma arma poderosa na defesa contra os ataques da força colonial, sobretudo no que tange a questão cultural. Sendo a língua um elemento fundamental na capacidade de dominação em massa, um domínio e defesa de uma língua consegue dar elementos de resistência para anular os interesses também da economia, da política, da geografia etc. Para os autores Aklilu Habte e Teshome Wagaw, as universidades é que deveriam realizar o papel de vanguarda no sentido de preservarem e passarem o saber linguístico dotado de valores culturais para os africanos. Veja, as mesmas universidades que colaboraram para destruir com a língua nativa dos africanos, como foi o caso da colonização britânica vista acima. Ora, que universidade esses autores estão falando, a universidade ocidental, a mesma instituição formada por valores éticos e morais cristãos? Provavelmente deve ser essa, mas para nós o saber, o ensinamento e a manutenção devem ser passados e guardados pelo que restou das várias etnias que havia no continente, só os ancestrais estabelecidos em seus habitat naturais que serão capazes de preservarem e transmitirem um tal saber orgânico da língua africana, só eles serão capazes de resistir e sobreviver ao ambiente hostil vivido pela África até os dias atuais[7].
A questão acerca da vestimenta também significa outro item convergente na esfera para observar esse mundo estranho implantado pelos europeus. Na África tradicional existiam diversas maneiras de ornamentar o corpo, indo da escarificação passando pelas tatuagens e pinturas corporais, chegando até penteados e as várias maneiras de praticar as cirurgias que alteravam o corpo humano. É indispensável comentar que joias e vestimentas também completava o cenário da moda africana pré-colonial. No entanto, após o estabelecimento do poder colonial ocidental passariam a proibir as artes do corpo; como a pintura corporal, tatuagens e escarifações. Esses dois últimos elementos foram interpretados como bárbaros. Alguns ornamentos estariam sendo abolidos devido aos valores éticos e morais da economia, ainda pelos hábitos desejados no trabalho, mas também do próprio conforto. Alguns sinais do momento em que o poder colonial começou a interferir na arte africana aborígene estavam no desdém por parte deles acerca da prática cultura da inserção de anéis de cobre no tornozelo e nos pescoço[8].
Numa busca de roupas adequadas ao interesse europeu, os missionários tiveram um papel de destaque. Alguns exemplos da interferência direta executada por eles estiveram na Sul do Saara onde propuseram um modelo de roupa decente para ser usadas pelas mulheres, o conjunto básico composto por saia e blusa longas. Ademais, no geral a administração colonial inseriu em todo território africano diversos tipos de trajes: camisas, shorts, roupas no modelo militar, uniformes para funcionários e para os militares. Contudo, as roupas de caráter urbano é usada somente pela elite europeia situadas nas cidades. O fascínio dessas roupas europeias na África ficou acerca de uma pequena elite africana, sem contar com um ou outro sujeito tanto no campo como na vida citadina que vestiu tais roupas, já que em diversos pedaços do território africano muitos ainda continuavam resistindo com a prática de suas roupas naturais. O caso da África setentrional e Ocidental com suas roupas de tipo islâmico. Na África do Oeste, no Sael, os africanos permaneciam usando o chamado bubu. Nas áreas costeiras desse último território citado, a vestimenta era do tipo ioruba. Enfim, no Marrocos ainda se vestia o Albornoz, uma indumentária típica daquele país[9].  
De todas as canções do álbum, a música Zimbabwe se caracteriza como a mais expressiva dentro desse contexto de uma busca pela África liberta. Composta inicialmente para poder ser tocada no dia da independência da Rodésia do Sul, a antiga colônia pertencente aos britânicos, à música acabou sendo entendida por muitos críticos, através da aceitação do público desse país, como um hino não oficial do Zimbabwe pós- independência. A canção, por vezes, aparenta tratar-se de mais uma relatando as aberrações do sistema colonial, havendo nesse território inclusive um apartheid, mas ela se enquadra como singular por clamar e convocar o povo a luta, na busca por um território igualitário de oportunidades, onde brancos e negros podem conviver harmonicamente[10].
Então, alguns versos dessa música consegue demonstrar um sentimento da teia revolucionária presente e exercida pelo mestre maior do reggae, como “Todo homem tem direito de decidir seu próprio destino e nesse julgamento não há parcialidade então, armas em mãos, com o exército vamos lutar esta pequena luta porque essa é a única forma de superarmos nossos poucos problemas”, assim como: “... Irmãos vocês estão certos, vocês estão certos nós vamos ter que lutar, nós vamos ter que lutar vamos lutar, lutar pelos nossos direitos... Dividir e reinar só poderia nos separar no peito de todos os homens bate um coração então logo vamos descobrir quem são os verdadeiros revolucionários e eu não quero que o meu povo seja enganado por mercenários...”
Nas suas colônias africanas do sul, os britânicos no âmbito da independência delas passaram por amplas dificuldades. No Zimbábue, por exemplo, a luta se deu na direção dos combates contra o racismo, mas também na luta contra o colonialismo. Não obstante, a complexa situação da libertação também perpassava a reação dos fragmentados povos nativos, no caso do Zimbábue as etnias mais notáveis foram os shonas e ndebele. As questões de gêneros chama atenção nesse episódio, podemos notar dentro da força de libertação da Zimbabwe African National Union (ZANU) um excedente expressivo de mulheres que lutaram lado a lado dos homens, ao contrário da força de libertação da Zimbabwe African People’s Union (ZAPU) que teve nos homens uma quantidade maior na luta. Na ZANU estaria à etnia dos shonas, de quem Rubert Mugabe era seu filho mais ilustre. No caso do ZAPU, a etnia participante era o ndebele. Com efeito, dentro desses movimentos estaria um objetivo maior, pois neles constava a luta pela libertação, portanto, era uma luta pelo conjunto do Zimbábue, mas também desmembrado uma luta paralela em busca da própria sobrevivência da manutenção dos grupos étnicos, se caracterizando então através de uma luta em prol dos interesses e valores mais alargados: a questão nacional[11].
É interessante notar essa ampla participação das mulheres nos conflitos pela libertação, muitas delas eram provenientes das duas etnias citadas acima. Como a luta se deu a cabo no interior do continente, as mulheres puderam participar exercendo protagonismo de relativo destaque, constando entre os papeis exercidos os de auxiliares nas lutas e em determinados casos tendo participação efetiva na linha de frente. Ora, Bob Marley na música só se refere aos irmãos que lutaram do sexo masculino, esquecendo portanto o destacado protagonismo executado pelas mulheres na luta da independência do grande Zimbábue. Deixando de lado o debate sobre o machismo do cantor, talvez esse fato possa ser analisado em um importante estudo, já que estudos de gênero hoje é um campo extremamente na moda, gerando calorosas discussões em âmbito acadêmico[12]. Portanto, Qual foi o verdadeiro papel das mulheres nas lutas pela independência do Zimbábue?
Dois acontecimentos possibilitaram a independência do Zimbábue: a ajuda dos países socialistas, especialmente da China e a vitória dos vietnamitas na guerra de guerrilhas contra a maior potência bélica do globo, os Estados Unidos. A China no afã de conquistar terras para propagar as ideias socialistas, viu nos movimentos de libertação nacional africano uma possibilidade bastante eficaz visando seus objetivos. Os guerrilheiros da ZANU tiveram no treinamento e no recebimento de equipamentos por peritos chineses o motor do alicerce no objetivo da libertação[13]. Os chineses acreditaram que sendo realizada com sucesso a independência do Zimbábue com o apoio deles, estaria então a porta de entrada da influência socialista chinesas nas diversas agitações rumo às lutas pela conquista da libertação nos diversos movimentos nacionais presentes em todo território africano. Não à toa os chineses tiveram papel protagonista nas libertações coloniais dos países de língua portuguesa, exemplo de Angola e Moçambique, ainda assim na Namíbia, emprestando assistência militar e econômica[14].
Quanto ao desempenho dos guerrilheiros vietcongues conduzindo a vitória do seu exército rebelde nacional contra o poderio imperialista norte-americano, esse possibilitou inspiração imediata aos movimentos de libertação nacional, uma vez que a vitória realizada pelos vietnamitas esteve no calor dos eventos das revoltas guerrilheiras africanas em busca de sua libertação nacional. Na verdade, a vitória do Vietnã do Norte perante seu opressor ianque, levava a cabo e colocaria em xeque a invencível armada militar dos Estados Unidos. Estariam aqui as brechas que os exércitos rebeldes de libertação nacional africano necessitavam na via de conduzir suas vitórias contra o poderio militar europeu. Assim, não restava dúvidas para os líderes dos exércitos nacionais, incluído o Zimbábue, que a abnegação, a vontade e engajamento de um povo possibilitava levar adiante de forma gloriosa a causa em questão. Ora, nada mais estaria presente aqui se não a questão da determinação de um povo na busca de superar seu opositor militar, nesse caso, os regimes imperialistas, racistas e colônias exercidos pelas nações europeias. Então, no Zimbábue a vitória dos vietcongues estabeleceu alto confiança para os combatentes rebeldes, mas não sem antes entrar através dos aliados chineses e vietnamitas as técnicas utilizadas pelos vietcongues em suas guerrilhas nas selvas do Vietnã, sendo esse um fator de destaque na própria conquista da independência nacional zimbabuana[15].
A ajuda chinesa oferecida nos acontecimentos da libertação do grande Zimbábue esteve como um dos elementos fundamentais que conduziram a vitória do exército de Mugabe, inclusive seria reconhecido com honras presidenciais pelo próprio Mugabe, a qual concedeu o papel exercido pela ideologia maoista, fortemente influenciada pela ideologia marxista comunista, como responsável direto pelo entusiasmo ideológico e militar exercido pelo movimento nacionalista do Zimbábue. Ademais, dentro dessa ajuda estaria a introdução da ideologia socialista nessa região. Elo junto ao oriente, o socialismo possibilitava a afirmação e autonomia ao Zimbábue no pós-independência, sem a adesão rumo ao socialismo chinês e de Moscou, ficaria impossível de manter o país na sua liberdade.  De fato, o socialismo encabeçado por Moscou e a China teve uma influência considerável dentro do continente africano, tendo seu auge nos idos do pós-guerra do Vietnã. Assim, esses dois países passariam a alargar seus laços junto aos países coloniais de línguas portuguesas, tendo participações diretas na independência deles, bem como influenciaram também na Zâmbia, no Chifre da África e na Tanzânia[16].
Uma questão imprescindível no período pós-libertação do Zimbábue diz respeito à questão dos valores que o Estado passou a usar gozando de sua independência. Fica evidente, que o sentido dado aos símbolos da nova nação, como o hino, pretendeu valorizar a unidade, a liberdade e o trabalho, enquanto que a bandeira estampava em seu brasão símbolos de um passado glorioso, sendo representado pela figura de uma ave misteriosa que ficava sobrevoando as ruínas do grande Zimbábue. A figura de uma águia pode representar simbolicamente uma associação entre um passado guerreiro e vitorioso, provavelmente através das diversas rapinagens nas conquistas obtidas contra os povos inimigos. Nesse sentido, dentro desses poderes simbólicos poder-se-ia observar algumas ideologias: na busca de um discurso procurando afirmar uma identidade, um desenvolvimento, uma busca por unidade, um apelo em função de justiças sociais e a famigerada busca pela liberdade[17].
Por fim, através desse texto pretendemos instigar os leitores a pensarem nas possíveis associações que Bob Marley procurou dar na tumultuada política africana durante o período das libertações nacionais nas canções do seu álbum Survival. Sem pretensões de analisar todas as músicas, bem como de fazer um panorama de toda a situação complexa da política africana nessa época das independências, apenas procuramos fazer uma reflexão diante de algumas letras do álbum com fragmentos políticos, culturais, sociais, etc., das situações de alguns países que conseguiram conquistar sua independência nacional. Assim, nossa pretensão também foi chamar atenção para um possível estudo sobre a história da África pouco pensada, e tão pouco estudada, aliás, Bob Marley dentro da academia brasileira ainda é um tema quase que intocável, tendo seus trabalhos sobre a África um significado extraordinário para entender o continente no século XX, como foi visto pelo álbum Survival. Sem dúvida, esse álbum entrou para a história da música mundial como um disco para além de simples canções de reggae, mas sim, sendo um instrumento de conclamação aos povos africanos a lutarem por sua libertação nacional, pois como disse o próprio Bob Marley, fazendo alusão à união e a guerra dos oprimidos como o caminho mais luminoso para encontrar Jah, em uma das canções do álbum, One Drop: “Você encontrará sua redenção e então nos ensinará sobre sua majestade pois não queremos a filosofia do diabo e então nos ensinará sobre sua majestade pois não queremos a filosofia do diabo.”
O histórico Show da independência do Zimbábue apresentado por Bob Marley no fatídico dia de 18/04/1980.



[1] Ver em: Boahen, Adu Albert (org). História geral da África, VII: África sob dominação colonial, 1880-1935. Brasília, Unesco, 2010. Por sua vez, Importante salientar que as brigas existentes entre as inúmeras etnias africanas remontam desde os primórdios da história africana. Citando um só exemplo, temos o período do tráfico de escravos, onde na mesma Costa Ocidental, portanto, onde está localizada Porto Novo, na segunda década setecentista, as ações militares do rei do Daomé, Agaja, conseguiram derrotar diversos reinos na Costa Ocidental atlântica, como foi o caso dos reinos de Aladá (ou Ardra), esse no interior da costa, Huedá já no litoral da costa. Dentro desse contexto, também o reino do Daomé entraria em confronto com o reino de Oió, vencendo-o no ano de 1732. Nessas guerras os interesses ficavam acerca da tomada do forte feitoria de Ajudá, importante mercado dos escravos africanos. Ver em: Silva, Alberto da Costa e. Francisco Félix de Souza, mercador de escravos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: EdUERJ, 2004. p.49-56.  
[2] Boahen, Adu Albert (org). História geral da África, VII: África sob dominação colonial, 1880-1935. Brasília, Unesco, 2010.
[3] Idem.
[4] Como se dava o estabelecimento do sistema colonial. Após romper com os quadros da resistência, o colonizador ao invés de construir indústrias em solos africanos, simplesmente passariam a ter como único recurso, em curto prazo, o estabelecimento da União Aduaneira (1884). Com essa União os colonos passariam a deter o monopólio do mercado, por exemplo, no caso do imperialismo francês, a França detinha o monopólio do mercado da Argélia voltado para uma indústria francesa, levando desvantagem no mercado global por seus preços determinados altos. Pois bem, esse formato de sistema colonial não pretendia vender seus produtos aos argelinos, pois esses não tinham dinheiro para adquirir os produtos, ficaria então a cabo do poderio imperialista Francês o poder aquisitivo presente na colônia argelina, onde se beneficiava com as vantagens adquiridas com o monopólio dos produtos, são eles que vão ter a capacidade de comprar os produtos e de exportar para o mercado internacional. Eventualmente os colonos seriam os compradores oficiais, fruto da criação de um capitalismo ganancioso em encontrar novos mercados. Uma das medidas adotas pelo poder colonial Francês esteve na implantação, em outras palavras, na imposição de um código de língua francesa aos mulçumanos argelinos, fazendo com que eles deixassem suas terras e se espalhassem de modo transeunte nos precários centros urbanos da chamada África branca, não foi possível adotar as estruturas internas porque era favorável adotar o código bretão para poder estabelecer uma lei econômica, sendo ela brutal e artificial, implantada dentro das condições do liberalismo capitalista. Ver em: Satre, Jean-Paul. Colonialismo Y Neocolonialismo. Situations, V. Ed.Losada, S.A. Buenos Aires,1965. p.20-36. 
[5] Mazrui, A. Ali e Wondji, Christophe (Org). História Geral da África, VIII: África desde 1935. Brasília: Unesco, 2010.
[6] Idem.
[7] Ibidem.
[8] Ibidem.
[9] Ibidem.
[10] Ibidem.
[11] Ibidem.
[12] Ibidem.
[13] Além dessas questões, existe uma especulação que o próprio Bob Marley pelos “bastidores” estava colaborando nas aproximações de laços que possibilitaram o fornecimento de armas aos guerrilheiros do Zimbábue.
[14] Ibidem.
[15] Ibidem.
[16] Ibidem.
[17] Ibidem.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

KEL TAMACHEQUE: Além fronteiras

Estou agora  vendo a apresentação do projeto de doutorado do colega Mahfouz Ag Adnane. O tema do trabalho é Kel Tamacheque além das fronteiras: encontros intercomunitários e festivais comunitários no Saara. 2000 a 2014.

Mahfouz é Tamacheque, povo que vive em alguns países a África, como Argélia, Mali, Niger, Líbia e Burkina Faso grande parte no deserto do Saara. Fez Mestrado e agora doutorado aqui no Brasil. O projeto de tese examina como esses festivais e encontros intercomunitários expressa uma luta histórica dos Tamacheque contra a marginalização no interior de Estados pretensamente nacionais nascidos da descolonização e renegam sua composição pluricultural.  

O trabalho será baseado na História oral dos festivais e encontros. Como diz Mahfouz, "ele usará imagens, sons, ....como fonte", sem deixar de usar textos escritos. O foco é contextualizar historicamente esses eventos ressaltando os objetivos, princípios, ideologias e interesses envolvidos na organização dos eventos. 

Um trabalho fascinante que nos oferece pistas para pensar outras dimensões da áfrica contemporânea. Vamos acompanhar a evolução deste trabalho.