Boa leitura.
O ÁLBUM SURVIVAL DE BOB MARLEY E OS FRAGMENTOS DA
HISTÓRIA POLÍTICA DA ÁFRICA COLONIAL
Gabriel Silva de Jesus
Licenciado em História pela UFRB
O
álbum Survival do imortal artista Bob Marley foi lançado no ano de 1979, no
Studio da lendária gravadora Tuff Gong. Juntamente com sua banda The Wailers,
Bob Marley pensou e realizou esse álbum dentro da conjuntura política passada
pelo continente africano nessa época. Como é sabido, ao longo de todo o século
XX a África vai passar por grandes movimentos de contestação contra o poder e a
força colonial, tendo muitos países conseguido conquistar sua independência.
Survival foi considerado pela crítica como o álbum mais politizado da carreira
de Bob Marley. De fato, com forte mensagem contra o poder do sistema colonial,
as músicas presentes no álbum podem ser interpretadas como porta-voz contra os
problemas sociais e políticos passados pelo continente na época, por exemplo,
África United, single mais conhecido do álbum, pede aos africanos para se
juntarem e lutarem contra a dominação europeia. O álbum teve tanto efeito que
os líderes da África do Sul no período do Apartheid chegaram a censurá-lo no
país. Nessa breve reflexão, procuramos problematizar o álbum Survival dentro
dos acontecimentos políticos vividos pelos africanos no decorrer do século XX.
O
primeiro single do álbum, Africa United, já traz a mensagem revolucionaria
vista ao longo de todo o disco. Nesse sentido, a música faz uma alusão ao uso
dos colonos brancos das diversas brigas existindo entre as etnias localizadas
nas vastas terras da mãe África. Os brancos imediatamente perceberam que seria
mais fácil colonizar no bojo dessa alteridade existente nas etnias negras,
passando a financiar com armas, dinheiro, material hospitalar etc, uma etnia
que quisesse se submeter ao seu poder. Quanto a isso, existe uma crítica
historiográfica acerca do termo colaborador ou aliado. O historiador africano
Albert Adu Boahen, observou nitidamente a utilização estratégica do rei dos Gun
de Porto Novo, Tofa, na chegada dos franceses em sua terra. Encurralado no
momento em que os bretões vieram, visto que esse rei tinha que encarar dois
diferentes reinos africanos: no norte os reis Fon do Daomé, no nordeste os
Yourubas, além dos britânicos na costa atlântica, a única solução viável para o
rei dos Gun estava na aliança com os Franceses, inusitada válvula de escape para
ele derrotar seus inimigos. Portanto, segundo Boahen, somente uma escola de
historiadores sem conhecimento dos problemas que os vários reinos africanos
teriam que enfrentar, bem como aqueles que não conseguem enxergar as
iniciativas tomadas pelos próprios africanos na tentativa de realizar
atividades voltadas para seus interesses, ou mesmo certos estudiosos que
procuraram analisar a história africana dentro da visão eurocêntrica, conseguem
conceituar os líderes africanos como colaboradores[1].
Como
podemos notar, a crítica de Bob Marley, na música Africa United, estaria no
pedido aos africanos para se unirem e lutarem na resistência do poderio
colonizador europeu. Então, versos que surgem na canção vão colocando o pedido
de Marley de forma mais evidente, como: “[...] Como seria bom e agradável
Diante de Deus e do Homem, Ver a unificação de todos os africanos como já tem
sido dito, deixe ser feito nós somos as crianças do homem rasta nós somos as
crinças do homem elevado”, assim como:“ Então áfrica te une, te une para o bem
do nosso povo Te une pois está mais tarde do
que você pensa, Te une para o benefício de suas crianças Te une pois
está mais tarde do que você pensa a África espera por seus criadores, a África
espera por seus criadores a África você é meu antepassado fundamental Te une
para os africanos que estão no mundo, Te une pelos africanos de longe África te
une. ”
Podemos
procurar entender formas de defesa por parte dos africanos diante das
hostilidades do poder colonizador dentro das diversas associações etnicas
existentes no centro urbano. Essas associações nada mais representavam do que
uma extensão das etnias do campo presente na vida citadina africana. Assim,
organizada no modelo hierárquico: associações de aldeia, de etnia e de clã, um
dos seus objetivos basicamente estava presente numa maneira de melhor ajudar os
emigrados vindo do campo a se instalarem na vida urbana, fazendo mitigar o
reflexo agressivo de um ambiente completamente diferente ao habitat natural
desses aventureiros africanos. Desse modo, ao chegar nessas novas fronteiras de
concreto e aço, os povos vindo do campo tinham como primeiro contato os membros
de sua etnia, do seu clã, ou mesmo de sua antiga aldeia. Estabelecidos em sua
associação, esses povos aprendiam como se comportar nas cidades, nos ofícios
proletários, nas buscas de empréstimos etc[2].
A
questão mais importante dessas aldeias diz respeito ao valor simbólico dos
laços de fidelidade a cultura da aldeia de origem, permitindo a manutenção do
controle dos integrantes da associação, a língua era um dos elementos
fundamentais para a estabilização de uma associação. Paulatinamente, os europeus
passariam a desconfiar dessas possíveis organizações conspiratórias dentro
dessas associações. No entanto, não encontrando indícios de possíveis revoltas,
o aparelho administrativo colonial passou a utilizar as associações a favor de
sua dominação, consultando elas através de inúmeras questões, como educação,
impostos e um desenvolvimento comunitário. Exemplos das formações de
associações estão espalhados por toda a África. No Quenia, devido ao tamanho intenso
e agressivo da colonização enrijecido pelo sistema colonial britânico, o único
estabelecimento de proteção cultural e lamento da dor das perdas estariam na
formação de associações, de modo que nesse país podemos encontrar associações étnicas
mais solidamente estabelecidas existindo um contingente populacional
absurdamente maior, comparado aos países limítrofes, no caso de Uganda e da
Tanzânia. Outros modelos de organizações culturais estariam sendo realizados
pelo viés da religião, ao invés da etnia. Isso se poderia encontrar no caso da
África mulçumana, particularmente no ano de 1935, com a fundação na Argélia da
Associação dos ‘Ulama’, cuja realização tendeu a proteger a prática do islã
dentro da situação colonial. Por fim, grosso modo, as associações serviriam
como disse Bob Marley de uma África unida, pois foi nesse tipo de
estabelecimento que os africanos conseguiram uma autoproteção, bem como
autoestabilização[3].
A
música que traz o nome do álbum, Survival, consegue trazer explicações para o
desmantelamento de toda a cojuntura administrativa realizada pelos povos
africanos antes da invasão dos europeus[4]. Com
efeito, trechos como “o bom homem nunca é honrado em seu país, a sobrevivência
negra nada muda tudo estranho, nada muda, tudo estranho, nós temos que sobreviver
nós temos que sobreviver, mas viva como um semelhante nos olhos de todo o
poderoso”, dão evidências desse novo mundo estranho imposto aos africanos
durante a conquista realizada pelos europeus.
Numa
tentativa de poder estabelecer sua dominação eficazmente, o poder colonial destruiu
valores ancestrais dos africanos, como a língua, possibilitando um mundo
estranho aos africanos dentro de suas próprias terras. Dois modelos de atuação
movidos na busca da centralização de uma política de assimilação variando nos
assuntos como língua, cultura e educação, se destacaram: o primeiro modelo era
francês, onde houve a centralização dos africanos dentro do sistema de educação
universal. No segundo caso, estaria o pragmatismo inglês, fornecendo a língua
inglesa logo no início do ensino elementar, mas não sem antes utilizar as
várias línguas dos aborígenes africanos ao seu próprio favor, uma vez que no
primeiro momento os ingleses colocariam em prática no sistema educacional de
suas colônias as línguas nativas, uma maneira de poder posteriormente inserir a
língua inglesa[5].
Como
se vê, as tradicionais línguas africanas foram postas para fora dos interesses
coloniais do ocidente. Dotadas de valores, tradições, vibrações, símbolos de
heranças ancestrais, orgulho das variadas etnias africanas, as línguas nativas
foram barbaramente arrancadas para serem implantadas em seu lugar as línguas
padronizadas e canonizadas do mundo ocidental, a exemplo do francês, português
e inglês. Essas últimas línguas foram institucionalizadas nas administrações
públicas, na educação superior e nos grandes negócios internacionais. Na
verdade, ainda é possível encontrar as línguas autóctones no cotidiano e nos
negócios das feiras nas povoações continentais. Mesmo assim, com a introdução
das línguas internacionais perdeu-se as raízes de culturas que pulsaram dentro
dos valores materiais e dos antepassados, verdadeiros portadores de saberes
praticamente conservado intactamente, heranças imateriais corroídas pela
ganância, vislumbre e capricho dos brancos europeus[6].
De
qualquer forma, as línguas nativas devem ser passadas somente como via do
conhecimento, sendo línguas de aprendizado nos diversos níveis de ensino,
igualmente possibilitando aos jovens africanos a sabedoria de centenas de anos
exercida pelos povos africanos, mas também a língua simplesmente deve ser
cultuada e transmitida para as futuras gerações como uma arma poderosa na
defesa contra os ataques da força colonial, sobretudo no que tange a questão
cultural. Sendo a língua um elemento fundamental na capacidade de dominação em
massa, um domínio e defesa de uma língua consegue dar elementos de resistência
para anular os interesses também da economia, da política, da geografia etc.
Para os autores Aklilu Habte e Teshome Wagaw, as universidades é que deveriam
realizar o papel de vanguarda no sentido de preservarem e passarem o saber
linguístico dotado de valores culturais para os africanos. Veja, as mesmas
universidades que colaboraram para destruir com a língua nativa dos africanos,
como foi o caso da colonização britânica vista acima. Ora, que universidade
esses autores estão falando, a universidade ocidental, a mesma instituição
formada por valores éticos e morais cristãos? Provavelmente deve ser essa, mas
para nós o saber, o ensinamento e a manutenção devem ser passados e guardados
pelo que restou das várias etnias que havia no continente, só os ancestrais
estabelecidos em seus habitat naturais que serão capazes de preservarem e
transmitirem um tal saber orgânico da língua africana, só eles serão capazes de
resistir e sobreviver ao ambiente hostil vivido pela África até os dias atuais[7].
A
questão acerca da vestimenta também significa outro item convergente na esfera
para observar esse mundo estranho implantado pelos europeus. Na África
tradicional existiam diversas maneiras de ornamentar o corpo, indo da
escarificação passando pelas tatuagens e pinturas corporais, chegando até
penteados e as várias maneiras de praticar as cirurgias que alteravam o corpo
humano. É indispensável comentar que joias e vestimentas também completava o
cenário da moda africana pré-colonial. No entanto, após o estabelecimento do
poder colonial ocidental passariam a proibir as artes do corpo; como a pintura
corporal, tatuagens e escarifações. Esses dois últimos elementos foram interpretados
como bárbaros. Alguns ornamentos estariam sendo abolidos devido aos valores
éticos e morais da economia, ainda pelos hábitos desejados no trabalho, mas
também do próprio conforto. Alguns sinais do momento em que o poder colonial
começou a interferir na arte africana aborígene estavam no desdém por parte
deles acerca da prática cultura da inserção de anéis de cobre no tornozelo e
nos pescoço[8].
Numa
busca de roupas adequadas ao interesse europeu, os missionários tiveram um
papel de destaque. Alguns exemplos da interferência direta executada por eles
estiveram na Sul do Saara onde propuseram um modelo de roupa decente para ser
usadas pelas mulheres, o conjunto básico composto por saia e blusa longas.
Ademais, no geral a administração colonial inseriu em todo território africano
diversos tipos de trajes: camisas, shorts, roupas no modelo militar, uniformes
para funcionários e para os militares. Contudo, as roupas de caráter urbano é
usada somente pela elite europeia situadas nas cidades. O fascínio dessas
roupas europeias na África ficou acerca de uma pequena elite africana, sem
contar com um ou outro sujeito tanto no campo como na vida citadina que vestiu
tais roupas, já que em diversos pedaços do território africano muitos ainda
continuavam resistindo com a prática de suas roupas naturais. O caso da África
setentrional e Ocidental com suas roupas de tipo islâmico. Na África do Oeste,
no Sael, os africanos permaneciam usando o chamado bubu. Nas áreas costeiras
desse último território citado, a vestimenta era do tipo ioruba. Enfim, no
Marrocos ainda se vestia o Albornoz, uma indumentária típica daquele país[9].
De
todas as canções do álbum, a música Zimbabwe se caracteriza como a mais
expressiva dentro desse contexto de uma busca pela África liberta. Composta
inicialmente para poder ser tocada no dia da independência da Rodésia do Sul, a
antiga colônia pertencente aos britânicos, à música acabou sendo entendida por
muitos críticos, através da aceitação do público desse país, como um hino não
oficial do Zimbabwe pós- independência. A canção, por vezes, aparenta tratar-se
de mais uma relatando as aberrações do sistema colonial, havendo nesse
território inclusive um apartheid, mas ela se enquadra como singular por clamar
e convocar o povo a luta, na busca por um território igualitário de
oportunidades, onde brancos e negros podem conviver harmonicamente[10].
Então,
alguns versos dessa música consegue demonstrar um sentimento da teia
revolucionária presente e exercida pelo mestre maior do reggae, como “Todo homem
tem direito de decidir seu próprio destino e nesse julgamento não há
parcialidade então, armas em mãos, com o exército vamos lutar esta pequena luta
porque essa é a única forma de superarmos nossos poucos problemas”, assim como:
“... Irmãos vocês estão certos, vocês estão certos nós vamos ter que lutar, nós
vamos ter que lutar vamos lutar, lutar pelos nossos direitos... Dividir e
reinar só poderia nos separar no peito de todos os homens bate um coração então
logo vamos descobrir quem são os verdadeiros revolucionários e eu não quero que
o meu povo seja enganado por mercenários...”
Nas
suas colônias africanas do sul, os britânicos no âmbito da independência delas
passaram por amplas dificuldades. No Zimbábue, por exemplo, a luta se deu na
direção dos combates contra o racismo, mas também na luta contra o
colonialismo. Não obstante, a complexa situação da libertação também perpassava
a reação dos fragmentados povos nativos, no caso do Zimbábue as etnias mais
notáveis foram os shonas e ndebele. As questões de gêneros chama atenção nesse
episódio, podemos notar dentro da força de libertação da Zimbabwe African
National Union (ZANU) um excedente expressivo de mulheres que lutaram lado a
lado dos homens, ao contrário da força de libertação da Zimbabwe African
People’s Union (ZAPU) que teve nos homens uma quantidade maior na luta. Na ZANU
estaria à etnia dos shonas, de quem Rubert Mugabe era seu filho mais ilustre.
No caso do ZAPU, a etnia participante era o ndebele. Com efeito, dentro desses
movimentos estaria um objetivo maior, pois neles constava a luta pela
libertação, portanto, era uma luta pelo conjunto do Zimbábue, mas também
desmembrado uma luta paralela em busca da própria sobrevivência da manutenção
dos grupos étnicos, se caracterizando então através de uma luta em prol dos
interesses e valores mais alargados: a questão nacional[11].
É
interessante notar essa ampla participação das mulheres nos conflitos pela
libertação, muitas delas eram provenientes das duas etnias citadas acima. Como
a luta se deu a cabo no interior do continente, as mulheres puderam participar
exercendo protagonismo de relativo destaque, constando entre os papeis
exercidos os de auxiliares nas lutas e em determinados casos tendo participação
efetiva na linha de frente. Ora, Bob Marley na música só se refere aos irmãos
que lutaram do sexo masculino, esquecendo portanto o destacado protagonismo
executado pelas mulheres na luta da independência do grande Zimbábue. Deixando
de lado o debate sobre o machismo do cantor, talvez esse fato possa ser
analisado em um importante estudo, já que estudos de gênero hoje é um campo
extremamente na moda, gerando calorosas discussões em âmbito acadêmico[12].
Portanto, Qual foi o verdadeiro papel das mulheres nas lutas pela independência
do Zimbábue?
Dois
acontecimentos possibilitaram a independência do Zimbábue: a ajuda dos países
socialistas, especialmente da China e a vitória dos vietnamitas na guerra de
guerrilhas contra a maior potência bélica do globo, os Estados Unidos. A China
no afã de conquistar terras para propagar as ideias socialistas, viu nos
movimentos de libertação nacional africano uma possibilidade bastante eficaz
visando seus objetivos. Os guerrilheiros da ZANU tiveram no treinamento e no
recebimento de equipamentos por peritos chineses o motor do alicerce no
objetivo da libertação[13].
Os chineses acreditaram que sendo realizada com sucesso a independência do
Zimbábue com o apoio deles, estaria então a porta de entrada da influência
socialista chinesas nas diversas agitações rumo às lutas pela conquista da
libertação nos diversos movimentos nacionais presentes em todo território
africano. Não à toa os chineses tiveram papel protagonista nas libertações
coloniais dos países de língua portuguesa, exemplo de Angola e Moçambique,
ainda assim na Namíbia, emprestando assistência militar e econômica[14].
Quanto
ao desempenho dos guerrilheiros vietcongues conduzindo a vitória do seu exército
rebelde nacional contra o poderio imperialista norte-americano, esse
possibilitou inspiração imediata aos movimentos de libertação nacional, uma vez
que a vitória realizada pelos vietnamitas esteve no calor dos eventos das
revoltas guerrilheiras africanas em busca de sua libertação nacional. Na
verdade, a vitória do Vietnã do Norte perante seu opressor ianque, levava a
cabo e colocaria em xeque a invencível armada militar dos Estados Unidos.
Estariam aqui as brechas que os exércitos rebeldes de libertação nacional
africano necessitavam na via de conduzir suas vitórias contra o poderio militar
europeu. Assim, não restava dúvidas para os líderes dos exércitos nacionais,
incluído o Zimbábue, que a abnegação, a vontade e engajamento de um povo
possibilitava levar adiante de forma gloriosa a causa em questão. Ora, nada
mais estaria presente aqui se não a questão da determinação de um povo na busca
de superar seu opositor militar, nesse caso, os regimes imperialistas, racistas
e colônias exercidos pelas nações europeias. Então, no Zimbábue a vitória dos
vietcongues estabeleceu alto confiança para os combatentes rebeldes, mas não
sem antes entrar através dos aliados chineses e vietnamitas as técnicas
utilizadas pelos vietcongues em suas guerrilhas nas selvas do Vietnã, sendo
esse um fator de destaque na própria conquista da independência nacional
zimbabuana[15].
A
ajuda chinesa oferecida nos acontecimentos da libertação do grande Zimbábue
esteve como um dos elementos fundamentais que conduziram a vitória do exército
de Mugabe, inclusive seria reconhecido com honras presidenciais pelo próprio
Mugabe, a qual concedeu o papel exercido pela ideologia maoista, fortemente
influenciada pela ideologia marxista comunista, como responsável direto pelo
entusiasmo ideológico e militar exercido pelo movimento nacionalista do
Zimbábue. Ademais, dentro dessa ajuda estaria a introdução da ideologia
socialista nessa região. Elo junto ao oriente, o socialismo possibilitava a
afirmação e autonomia ao Zimbábue no pós-independência, sem a adesão rumo ao
socialismo chinês e de Moscou, ficaria impossível de manter o país na sua
liberdade. De fato, o socialismo
encabeçado por Moscou e a China teve uma influência considerável dentro do
continente africano, tendo seu auge nos idos do pós-guerra do Vietnã. Assim,
esses dois países passariam a alargar seus laços junto aos países coloniais de
línguas portuguesas, tendo participações diretas na independência deles, bem
como influenciaram também na Zâmbia, no Chifre da África e na Tanzânia[16].
Uma
questão imprescindível no período pós-libertação do Zimbábue diz respeito à
questão dos valores que o Estado passou a usar gozando de sua independência.
Fica evidente, que o sentido dado aos símbolos da nova nação, como o hino,
pretendeu valorizar a unidade, a liberdade e o trabalho, enquanto que a
bandeira estampava em seu brasão símbolos de um passado glorioso, sendo
representado pela figura de uma ave misteriosa que ficava sobrevoando as ruínas
do grande Zimbábue. A figura de uma águia pode representar simbolicamente uma
associação entre um passado guerreiro e vitorioso, provavelmente através das
diversas rapinagens nas conquistas obtidas contra os povos inimigos. Nesse
sentido, dentro desses poderes simbólicos poder-se-ia observar algumas
ideologias: na busca de um discurso procurando afirmar uma identidade, um
desenvolvimento, uma busca por unidade, um apelo em função de justiças sociais
e a famigerada busca pela liberdade[17].
Por
fim, através desse texto pretendemos instigar os leitores a pensarem nas
possíveis associações que Bob Marley procurou dar na tumultuada política
africana durante o período das libertações nacionais nas canções do seu álbum
Survival. Sem pretensões de analisar todas as músicas, bem como de fazer um
panorama de toda a situação complexa da política africana nessa época das
independências, apenas procuramos fazer uma reflexão diante de algumas letras
do álbum com fragmentos políticos, culturais, sociais, etc., das situações de
alguns países que conseguiram conquistar sua independência nacional. Assim,
nossa pretensão também foi chamar atenção para um possível estudo sobre a
história da África pouco pensada, e tão pouco estudada, aliás, Bob Marley
dentro da academia brasileira ainda é um tema quase que intocável, tendo seus
trabalhos sobre a África um significado extraordinário para entender o
continente no século XX, como foi visto pelo álbum Survival. Sem dúvida, esse
álbum entrou para a história da música mundial como um disco para além de
simples canções de reggae, mas sim, sendo um instrumento de conclamação aos
povos africanos a lutarem por sua libertação nacional, pois como disse o
próprio Bob Marley, fazendo alusão à união e a guerra dos oprimidos como o
caminho mais luminoso para encontrar Jah, em uma das canções do álbum, One
Drop: “Você encontrará sua redenção e então nos ensinará sobre sua majestade
pois não queremos a filosofia do diabo e então nos ensinará sobre sua majestade
pois não queremos a filosofia do diabo.”
O
histórico Show da independência do Zimbábue apresentado por Bob Marley no
fatídico dia de 18/04/1980.
[1] Ver em: Boahen,
Adu Albert (org). História geral da África, VII: África sob dominação colonial,
1880-1935. Brasília, Unesco, 2010. Por sua vez, Importante salientar que as
brigas existentes entre as inúmeras etnias africanas remontam desde os
primórdios da história africana. Citando um só exemplo, temos o período do
tráfico de escravos, onde na mesma Costa Ocidental, portanto, onde está
localizada Porto Novo, na segunda década setecentista, as ações militares do
rei do Daomé, Agaja, conseguiram derrotar diversos reinos na Costa Ocidental
atlântica, como foi o caso dos reinos de Aladá (ou Ardra), esse no interior da
costa, Huedá já no litoral da costa. Dentro desse contexto, também o reino do
Daomé entraria em confronto com o reino de Oió, vencendo-o no ano de 1732.
Nessas guerras os interesses ficavam acerca da tomada do forte feitoria de
Ajudá, importante mercado dos escravos africanos. Ver em: Silva, Alberto da
Costa e. Francisco Félix de Souza, mercador de escravos. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira: EdUERJ, 2004. p.49-56.
[2] Boahen, Adu
Albert (org). História geral da África, VII: África sob dominação colonial,
1880-1935. Brasília, Unesco, 2010.
[3] Idem.
[4] Como se dava o
estabelecimento do sistema colonial. Após romper com os quadros da resistência,
o colonizador ao invés de construir indústrias em solos africanos, simplesmente
passariam a ter como único recurso, em curto prazo, o estabelecimento da União
Aduaneira (1884). Com essa União os colonos passariam a deter o monopólio do
mercado, por exemplo, no caso do imperialismo francês, a França detinha o
monopólio do mercado da Argélia voltado para uma indústria francesa, levando
desvantagem no mercado global por seus preços determinados altos. Pois bem,
esse formato de sistema colonial não pretendia vender seus produtos aos
argelinos, pois esses não tinham dinheiro para adquirir os produtos, ficaria
então a cabo do poderio imperialista Francês o poder aquisitivo presente na
colônia argelina, onde se beneficiava com as vantagens adquiridas com o
monopólio dos produtos, são eles que vão ter a capacidade de comprar os
produtos e de exportar para o mercado internacional. Eventualmente os colonos
seriam os compradores oficiais, fruto da criação de um capitalismo ganancioso
em encontrar novos mercados. Uma das medidas adotas pelo poder colonial Francês
esteve na implantação, em outras palavras, na imposição de um código de língua
francesa aos mulçumanos argelinos, fazendo com que eles deixassem suas terras e
se espalhassem de modo transeunte nos precários centros urbanos da chamada
África branca, não foi possível adotar as estruturas internas porque era
favorável adotar o código bretão para poder estabelecer uma lei econômica,
sendo ela brutal e artificial, implantada dentro das condições do liberalismo
capitalista. Ver em: Satre, Jean-Paul. Colonialismo Y Neocolonialismo.
Situations, V. Ed.Losada, S.A. Buenos Aires,1965. p.20-36.
[5] Mazrui, A. Ali e
Wondji, Christophe (Org). História Geral da África, VIII: África desde 1935.
Brasília: Unesco, 2010.
[6] Idem.
[7]
Ibidem.
[8]
Ibidem.
[9]
Ibidem.
[10]
Ibidem.
[11] Ibidem.
[13] Além dessas
questões, existe uma especulação que o próprio Bob Marley pelos “bastidores”
estava colaborando nas aproximações de laços que possibilitaram o fornecimento
de armas aos guerrilheiros do Zimbábue.
[14] Ibidem.
[15] Ibidem.
[16] Ibidem.